quarta-feira, 28 de setembro de 2011


I want to do with you
what spring does with the cherry trees.


Pablo Neruda

Breve nota acerca de “O caminho para a estupidez “


Sou estúpida; já fiz o caminho. Orgulho-me de fazer parte da maioria de estúpidos que acredita que os outros animais existem pelas suas próprias razões e não para servirem os humanos. Uma das bases para se ser estúpido, aquele primeiro passinho para chegar ao objectivo final é reconhecer quão óbvio é que os outros animais não devem servir para nosso entretenimento. Não, não falo de veganismo! Falo do básico: o entretenimento. Os animais não escolheram estar numa situação que, claramente, lhes é prejudicial, mas nós, regra geral, podemos escolher. Estúpida como sou, se tivesse que escolher, escolheria não ser retirada da minha vida, colocada numa camioneta, transportada sem saber para onde, mutilada, largada num corredor estreito, e depois atirada para um local que me fosse estranho, e de onde não pudesse escapar. Escolheria ainda não ser cravada com arpões de ferro (vários arpões), não sangrar profusamente, não ter dores lancinantes, não ser atacada por um grupo de oito valentes homens, que se atirariam para cima de mim, e me fariam todo o tipo de sevícias que lhes aprouvesse fazerem-me, enquanto eu, assustada, não controlaria sequer as minhas necessidades fisiológicas mais básicas. Em última análise, escolheria não ser sangrada até à morte, enquanto estivesse a sufocar no meu próprio sangue.
A tauromaquia é um exercício vil de dominância de humanos sobre outros animais. Um exercício de subjugação, humilhação, em que ganha sempre aquele que escolhe estar ali. É uma actividade doentia, e que não tem lugar no Séc. XXI. Infelizmente, a História da Humanidade tem inúmeros episódios de maldade de que não se deve orgulhar, e que devem ficar enterrados no passado, debaixo da desculpa de que não sabíamos melhor. Éramos mais ignorantes, talvez…Hoje, queremos corrigir alguns desses erros, mas continuamos a insistir em tapar os olhos ao que de mais óbvio deveríamos ter inscrito em nós: a compaixão, a regra de ouro da ética: “faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti”. O respeito para com quem partilha a Terra connosco deveria ser um valor básico em todos nós. O resultado dessa falta de respeito para com o meio onde vivemos e para com os outros animais está à vista de todos.
Pela nossa parte, continuaremos o nosso trabalho, na esperança de que no futuro, as gerações vindouras possam olhar para os registos  deste tempo e cobrirem-se de vergonha daquilo que os seus antepassados consideravam “estúpido”.
Rita Silva
Activista pelos Direitos dos Animais
Presidente da ANIMAL



domingo, 25 de setembro de 2011

Vivemos em função de tudo, menos da felicidade...


Estava eu a navegar na net quando, por sorte do acaso, me cruzei com um artigo sobre um tema que achei curioso… o nosso estilo de vida. Este artigo foi escrito pelo jornalista João Pereira Coutinho e garanto-vos que vale a pena ler pela simples razão que retrata fielmente a nossa sociedade actual…

"Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta não aconselham temeridades. Hordas de amigos constituem as respectivas proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas. Pelo contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa ansiedade de contornos particularmente patológicos. Percebo porquê. Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar.
Hoje, não. A criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis, e um exército de professores, explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança fosse um potro de competição.

Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas sociedades modernas: a vida não é para ser vivida – mas construída com sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica para o infinito. É preciso o emprego de sonho, a casa de sonho, o maridinho de sonho, os amigos de sonho, as férias de sonho, os restaurantes de sonho.

Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos. A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima.

Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a felicidade!"

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Talhos vegetarianos - Ideia fantástica!


"A cadeia de lojas holandesa Vegetarian Butcher (Talho Vegetariano em português) é a primeira do género no mundo. Desde as salsichas à carne de galinha, tudo é falso, excepto o sabor que engana até os mais cépticos consumidores de carne. 

O consumo de produtos de origem animal tem baixado ultimamente em vários países e a Holanda é um bom exemplo disso.

Em causa estão, entre outras, questões éticas, como o bem-estar animal, e de saúde, como a transmissão de doenças e outras complicações pela ingestão de produtos animais.

Naturalmente, o mercado reage e adapta-se à necessidade do consumidor, disponibilizando cada vez mais produtos alternativos à dieta tradicional. 

Ficamos à espera do primeiro talho vegetariano em Portugal.


Source: "Fujam Tremoços, Vem aí O Açougueiro Vegetariano! – Ideias de Negócios Rentáveis em 2011" 
Author: Maria Aragao"

domingo, 18 de setembro de 2011

..."Vive-o intensamente até à última gota de sangue. "...


Vive o instante que passa. Vive-o intensamente até à última gota de sangue. É um instante banal, nada há nele que o distinga de mil outros instantes vividos. E no entanto ele é o único por ser irrepetível e isso o distingue de qualquer outro. Porque nunca mais ele será o mesmo nem tu que o estás vivendo. Absorve-o todo em ti, impregna-te dele e que ele não seja pois em vão no dar-se-te todo a ti. Olha o sol difícil entre as nuvens, respira à profundidade de ti, ouve o vento. Escuta as vozes longínquas de crianças, o ruído de um motor que passa na estrada, o silêncio que isso envolve e que fica. E pensa-te a ti que disso te apercebes, sê vivo aí, pensa-te vivo aí, sente-te aí. E que nada se perca infinitesimalmente no mundo que vives e na pessoa que és. Assim o dom estúpido e miraculoso da vida não será a estupidez maior de o não teres cumprido integralmente, de o teres desperdiçado numa vida que terá fim.

Vergílio Ferreira, Conta-Corrente IV 

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Palavras...


Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.


Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.


De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.


(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)


Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


Alexandre O'Neill

quinta-feira, 8 de setembro de 2011


Escrevi até o princípio da manhã aparecer na janela. O sol a iluminar os olhos dos gatos espalhados na sala, sentados, deitados de olhos abertos. O sol a iluminar o sofá grande, o vermelho ruço debaixo de uma cobertura de pêlo dos gatos. O sol a chegar à escrivaninha e a ser dia nas folhas brancas. Escrevi duas páginas. Descrevi-lhe o rosto, os olhos, os lábios, a pele, os cabelos. Descrevi-lhe o corpo, os seios sob o vestido, o ventre sob o vestido, as pernas. Descrevi-lhe o silêncio. E, quando me parecia que as palavras eram poucas para tanta e tanta beleza, fechava os olhos e parava-me a olhá-la. Ao seu esplendor seguia-se a vontade de a descrever e, de cada vez que repetia este exercício, conseguia escrever duas palavras ou, no máximo, uma frase. Quando a manhã apareceu na janela, levantei-me e voltei para a cama. Adormeci a olhá-la. Adormeci com ela dentro de mim. 

Nunca me tinha apaixonado verdadeiramente. A partir dos dezasseis anos, conheci muitas mulheres, senti algo por todas. Quando lhes lia no rosto um olhar diferente, demorado, deixava-me impressionar e, durante algumas semanas, achava que estava apaixonado e que as amava. Mas depois, o tempo. Sempre o tempo como uma brisa. Uma aragem suave, mas definitiva, a empurrar-me os sentimentos, a deixá-los lá ao fundo e a mostrar-me na distância que eram pequenos, muito pequenos e sem valor. E sempre só a solidão. Sempre. Eu sozinho, a viver. Sozinho, a ver coisas que não iriam repetir-se; sozinho, a ver a vida gastar-se na erosão da minha memória. Sozinho, com pena de mim próprio, ridículo, mas a sofrer mesmo. Nunca me tinha apaixonado verdadeiramente. Muitas vezes disse amo-te, mas arrependi-me sempre. Arrependi-me sempre das palavras.

José Luís Peixoto, Uma Casa na Escuridão

terça-feira, 6 de setembro de 2011

"Talvez tenha chegado a altura de os idealistas fazerem alguma coisa."


(...)"Devemos viver como peregrinos, não como turistas. O turista é egocêntrico, quer algo para ele próprio, bons hotéis restaurantes e lojas. A sua atitude é a exigência, quer sempre mais e melhor [...] O peregrino é humilde, deixa uma pegada leve na Terra, respeita a árvore e agradece-lhe pela sombra e frutos." (...)

(...) "As pessoas das
cidades como Lisboa precisam
abrir o coração à vida selvagem
caminhar na Natureza O fim de
semana devia ter três dias para que
pelo menos um dia pudéssemos
andar a pé no campo Mas não
de carro porque assim não se vê
nada Quando caminhamos vemos
as flores a erva as borboletas as
abelhas Vemos e experienciamos
tudo não é um conhecimento dos
livros." (...)


(...) "Só valorizamos a Natureza se a
experienciarmos se nos tornarmos
parte dela. A Natureza não está só lá
fora nas árvores montanhas rios
e animais Nós somos Natureza. E
ela tem valor intrínseco. Falamos
de direitos humanos mas também
precisamos de falar dos direitos da
Natureza. Os rios têm o direito de se
manterem limpos as florestas têm o
direito a permanecer de pé." (...)


 ‎(...)"Tal como a minha mãe me ensinou a andar na Natureza, gostaria que o mesmo acontecesse na nossa sociedade. Devemos educar as nossas crianças no amor pela Natureza, aprendendo na Natureza e não sobre a Natureza, com livros e computadores. Gostaria de ver os pais a levar os filhos para a Natureza, e a deixá los subir às árvores, escalar montanhas e nadar nos rios." (...)


(...) "Eu e o meu amigo
fomos aconselhados a partir sem
dinheiro porque a paz vem da
confiança e a raiz da guerra é o
medo. Se queremos paz temos de ter
confiança nas pessoas na Natureza
no universo."(...)


(...) "Neste momento
a Humanidade está em guerra com
a Natureza estamos a destruí-la. E
seremos perdedores se vencermos.
A menos que façamos a paz com a
Natureza não poderá haver paz na
Humanidade." (...)


(...) "De que precisamos para ser
felizes?
Aprender uma única palavra
celebração. Temos de celebrar a
vida a Natureza a abundância
humana. As pessoas não são
felizes porque não têm tempo para
celebrar. Estão sempre ocupadas
vivem demasiado depressa." (...)

(...) "O universo é um grande presente para
nós todos."


Satish Kumar, em entrevista ao "Público"
PDF da entrevista completa. 

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

..."Não espere pelo Juízo Final. Ele se realiza todo dia."


Acredite-me, as religiões enganam-se, a partir do momento em que pregam a moral e a fulminam mandamentos. Não é necessário existir Deus para criar a culpabilidade, nem para castigar: para isso, bastam os nossos semelhantes, ajudados por nós mesmos. O senhor falava-me do Juízo Final. Permita-me que ria disso respeitosamente. Posso esperá-lo com tranquilidade: conheci o que há de pior, que é o julgamento dos homens. Para eles, não há circunstâncias atenuantes, mesmo a boa intenção é tida como crime. Ouviu ao menos falar da cela de escarros que um povo criou recentemente para provar que era o maior do mundo? É uma caixa de alvenaria, em que o prisioneiro fica de pé, mas sem poder se mexer. A sólida porta que o encerra em sua concha de cimento chega apenas até a altura do queixo. Vê-se, pois, unicamente o seu rosto, no qual todo guarda que passa escarra à vontade. O prisioneiro, espremido na cela, não se pode limpar, ainda que lhe seja permitido, é bem verdade, fechar os olhos. Pois bem, isto, meu caro, é uma invenção dos homens. Não precisaram de Deus para criar essa obra-prima.

E então? Então, a única utilidade de Deus seria garantir a inocência, mas eu vejo a religião antes de tudo como uma grande empresa de lavanderia, o que aliás ela foi, mas por breve tempo e não se chamava religião. Desde então, falta sabão, andamos com o nariz sujo e nos assoamos mutuamente. Todos culpados, todos castigados, escarremo-nos, e pronto: já para o desconforto. É ver quem escarra primeiro, eis tudo. Vou contar-lhe um grande segredo, meu caro. Não espere pelo Juízo Final. Ele se realiza todo dia.”
Albert Camus – A Queda

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

morreste-me.

Mas a memória guarda-me o teu cheiro, as tuas mãos e o teu sorriso. Olho ao espelho e vejo o teu nariz. Olho para as mãos da mãe e vejo as tuas unhas. Estás em nós e eu estou em ti. Eu jamais seria eu sem a tua presença constante na minha vida. Comparência que eu gostaria de poder prolongar. Terás mesmo partido, avô? Mantenho a memória acesa com pedaços de imagens que me fazem sorrir. Os teus óculos de grilo que colocavas para ler faziam-me sempre rir. Com o teu corpo, apenas enterrei os últimos momentos agonizantes que passaste na cama fria e distante do hospital. Olho para a tua mesa de trabalho e sinto um vazio dilacerante. O teu diário e as tuas canetas ainda estão espalhados. Poderás ainda regressar? Não acredito que já não vou poder estar à tua beira enquanto constróis as tuas geringonças. Ora um banco, ora uma casota para o Piloto, ora um espantalho para a horta… Os meus bolsos estão sedentos dos teus chocolates e rebuçados. Já não refilas comigo por eu te mexer nas ferramentas e não as colocar no sítio. E das boleias que me davas para a escola? Gostava de te ter abraçado e enchido de beijos e te ter dito aos berros que te amava. Por que só me dei conta disto quando a morte te levou? No hospital, nos momentos mais lúcidos, perguntavas-nos: «amanhã estarei melhor?». E eu sem te poder responder, com uma espinho cravado na garganta e a boca seca. Sempre temeste a morte e agora ela levou-te sem dó nem complacência. Pela casa, ainda encontro papéis espalhados com a tua letra. Só a Ti não te vejo mais, nem às tuas expressões faciais de espanto, surpresa e curiosidade. Aquela covinha que fazias na bochecha esquerda e que eu tanto apreciava… E as tuas macaquices? Até na cama do hospital, num dos últimos dias, já com os olhos fechados, ainda fizeste uma macacada com a boca para nos rirmos. Tenho saudades do tempo que não passamos juntos e que eu gostaria de ter passado contigo.

Não acreditavas que o Homem foi à Lua. Agora chegaste finalmente lá.

morreste-me, José Luís Peixoto, 2000