domingo, 30 de outubro de 2011

Eu não.


Digam que foi mentira, que não sou ninguém,
que atravesso apenas ruas da cidade abandonada
fechada como boca onde não encontro nada:
não encontro respostas para tudo o que pergunto nem
na verdade pergunto coisas por aí além
Eu não vivi ali em tempo algum.


Ruy Belo











segunda-feira, 24 de outubro de 2011

...E por vezes custa muito...

A violência à escala global a que assistimos diariamente é, nem mais, nem menos, o fruto do verdadeiro choque de civilizações gravado em alto-relevo nas páginas da História. É o resultado da já velha "guerra" entre o Ocidente liberal e o Islão radical. Para estes últimos, o Ocidente encarna o Diabo. Séculos a fio sob domínio colonial deixaram marcas profundas em inúmeros países da região, transformada, nas décadas mais recentes, em palco de renhidas disputas pelo controlo do mercado do petróleo, que o Ocidente quer abocanhar. E é sempre mais fácil dividir para reinar (no caso, fomentar guerras) do que respeitar as diferenças sociais, políticas e culturais. Obama disse, e bem, que os conflitos só se resolvem quando "uns se colocarem no lugar dos outros" para se respeitarem.

Esgotado o modelo de liberalização (cega) à escala mundial e com as abissais diferenças de condições de vida entre "uns e outros", entra em cena o apego à religião, facilmente transformado em fanatismo.

Será o século XXI marcado pelas clivagens geradas pelas religiões? Certezas não há, mas arrisco dizer que os principais conflitos serão alimentados pelo fanatismo e pela intolerância. As acções de muitos movimentos radicais, sobretudo islâmicos, giram em torno da religião. Mas é errado culpabilizar apenas um dos lados. A instrumentalização da fé existe no seio das sociedades islâmicas e também existe nas sociedades ditas liberais e democráticas.

A História diz-nos que os Direitos Humanos são um "invento" da Europa do século XVII, na qual o homem passa a estar voltado para si mesmo, para os seus direitos, liberdades e garantias. Valores que continuam a fazer todo o sentido – cada vez mais sentido – no Ocidente. Já no mundo islâmico, pelo contrário, é a pertença a uma comunidade e o sentido da honra a atingirem a primazia sobre o indivíduo. Diferenças que são causadoras de enormes fracturas sociais, políticas e culturais, até agora por sanar.

O respeito mútuo é, lamentavelmente, uma carta fora do baralho. Mas nada disto é culpa da religião islâmica ou do mundo árabe. É, tão-somente, decorrente da existência de grupos radicais e extremistas, que não olham a meios para atingirem os fins. Daí que se torne imperioso fazer essa destrinça, cabendo a todos, de parte a parte, reconhecer a necessidade de respeitar, como iguais, quem pensa, age e vive de maneira diferente. Por muito que custe.

Texto de Maria de Deus Botelho.

..."Gosto de ter tempo.Gosto de dispor do meu tempo."...

Subscrevo quase na totalidade...

"Nunca tive macs, nem ipods, nem o hábito de ouvir música no itunes ou em qualquer dessas plataformas online que nos ajudam a chegar a milhares de bandas a um ritmo, para mim, demasiado alucinante. Não tenho ipad e duvido que venha a ter. Continuo com o mesmo interesse por tecnologia que tenho pela observação de aves, pelo debate répública/monarquia ou pelas eleições da Madeira. Tenho um computador que faz o básico para eu trabalhar. Continuo a comprar cd's e vinis e a ouvi-los nos aparelhos cá de casa. Gosto de ler jornais e revistas em papel, mas agora que penso nisso, são cada vez menos os que leio. Talvez por haver às centenas. Era incapaz de ler um livro num kindle ou noutro aparelho tecnológico qualquer desses que alguns juram a pés juntos "mudam as nossas vidas". Gosto de ter tempo. Gosto de dispor do meu tempo. De o usar à minha maneira. Sem ser refém de nada nem de ninguém." (...)

Bernardo Pires de Lima

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

..."A cobiça envenenou a alma dos homens... "...


(...) "Aos que me podem ouvir eu digo: `Não desespereis!' A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia, da amargura dos homens que temem o avanço humano..."(...)


         Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio... negros... brancos.


            Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.


            O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos.  A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.


            A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.


            Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!


            Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, ms dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de faze-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.


            É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!


            Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!

O último discurso,do filme "O Grande Ditador". -  Charles Chaplin




terça-feira, 18 de outubro de 2011

Para quem acredita...

E sim, não podemos desistir, até porque não temos outro remédio!...





...

Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente (...) privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos...


José Saramago, Cadernos de Lanzarote, Diário III

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

As necessidades assimétricas do nosso "novo" mundo...



Este fim de semana assisti a algo que me deixou estupefacta; numa reportagem transmitida pela RTP no âmbito das manifestações do dia 15 de Outubro, querendo dar como exemplo dos rostos por trás dos "Indignados", o caso (infeliz, a meu ver...) de um casal de funcionários públicos (casados, jovens e ambos professores) cujo ordenado mensal de cada um rondava os mil e tal euros aproximadamente. Lamentavam o facto de verem usurpados os seus subsídios de férias e Natal. Note-se quatro mil e tal euros aproximadamente (nas férias e o mesmo no Natal), ou seja, o queixume prendia-se em ver que num só mês não iria entrar naquele agregado familiar uma soma total de quatro mil euros, mas sim e apenas dois mil relativos aos ordenados, não contando portanto com os subsídios e por isto, este casal dizia ter o "futuro adiado"...não tendo também esse dinheiro para colmatar créditos e comprar as prendas de Natal... Ouvia este programa perplexa, a maioria dos portugueses vive com menos de mil euros por mês para fazer face às despesas diárias, compromissos financeiros, educação dos filhos, etc, etc... No dia seguinte e na SIC, vejo uma "Grande Reportagem" sobre crianças moçambicanas; órfãs de pais vítimas do vírus da Sida. Crianças que nada tinham, muitas delas nem mesmo para comer e a certa altura da reportagem, alguém pergunta a uma delas: "o que lhe faltava" ao qual ela com o maior sorriso do mundo, diz: "NADA", não lhe faltava NADA!... 
A disparidade entre estas duas realidades fez-me pensar como tudo na vida é relativo, principalmente em mundos tão diferentes. Como pode alguém dizer, no "nosso  mundo", que dois mil e tal euros por mês não servem para viver?

E porque hoje é o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, aqui fica: Oikos Manifesto 


quinta-feira, 13 de outubro de 2011

BOAS NOTÍCIAS!!!!

A Declaração 26, sobre o controlo das populações de cães e gatos na UE, que se estende ainda à identificação dos animais com chip's, foi aprovada! ...


Estas são óptimas notícias para os animais domésticos da Europa. Resta agora esperar que na prática surta os devidos efeitos.


Detalhes e mais informações aquiEUROGROUP FOR ANIMALS 

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

É mesmo assim...

"As pessoas que eu mais admiro não são famosas, não escreveram um livro, não ganharam um Nobel, não são citadas, nem Googladas. São pessoas como nós, que tem vizinhos, problemas, contas para pagar, trabalhos horríveis, dias insuportáveis, mas que ao fim ao cabo são extremamente reais. Sem máscaras, genuinamente comuns. São aquelas que dão a volta por cima, que sabem abrir uma porta com a mesma facilidade com que fecham outra. Têm coragem. A coragem de viver o dia à dia, mesmo que ele corra mais que nós."

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A vida que não vivemos...


A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade. A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.

Carlos Drummond de Andrade


Foto:(C) Rahee Nerurkar

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

movies and words...


A perfect blossom is a rare thing.
You could spend your life looking for one.
And it would not be a wasted life.

"During spring, cherry blossom (sakura) viewing parties (hanami) and cherry blossom festivals are held all over Japan. Cherry blossom viewing has been a Japanese custom since the 7th century when the aristocrats enjoyed looking at the cherry blossoms and wrote poems. People drink, eat, and sing during the day and night. It is like a picnic.


From late March to early April, sakura go into full bloom all over Japan. The blossom forecast (“sakurazensen” or “cherry blossom front”) is announced each year by the weather bureau, and is watched carefully by those planning hanami as the blossoms only last a week."


"Não sou jornalista. Acrescento sempre palavras ao que vejo. E guardo outras, num recanto do meu egoísmo. Não acreditem no que escrevo, pensem apenas. Porque pode ser verdade.

Quem é que nunca sentiu a surpresa de uma notícia? Ou o susto de uma bomba de Carnaval? Ou encontrou um conhecido num lugar improvável? Ou se queimou, se arrependeu, pisou um buraco? Momentos… momentos… momentos… em que não temos tempo para controlar a parte de dentro do corpo. Era dia 10 de Março. E o maior desses momentos aconteceu. Descíamos a rua do Mosteiro de Drepung, com dezenas de monges, em debates e amizades criadas pelo puro acaso durante todo esse dia.

Um falava sobre a importância da data, outro de liberdade, da vida, de estarem a um passo de ter voz. Apenas voz. Nem cabíamos dentro da pele. Os únicos diferentes do meio, mas no meio. Entre sorrisos vermelhos e vestidos de confiança, faláv… Sinto um braço a puxar-me, a rua bloqueada, e tanta gente. Polícias de choque, militares, camiões, um barulho confuso a impedir o caminho para Lassa. E um braço. A insistir, a puxar-me. Num segundo levou-nos para o outro lado da rua. Vi que era um polícia. Não podem estar aqui. Continuem a andar. Do outro lado os monges, num silêncio cada vez mais afastado. Mais carros, e homens, e carros, e homens. Sem farda. Fecharam as lojas, fecharam as casas. Voltaram. Tiraram as pessoas das casas. Continuem a andar. Ninguém olhava para trás. O medo envolvia os corpos. O que se passa? Responderam-nos: um fogo; exercícios… duas vozes fardadas. Queríamos voltar para trás. Já não conseguíamos ver as caras, apenas roupas vermelhas abafadas por uma força violenta. Armada.

Foi o início. Sabemos que muitos desses monges morreram no final desse dia.
Após quilómetros a andar por estradas de terra não batida, a tentar inventar ruelas que nos levassem a testemunhar a prepotência militar e policial sobre pessoas desarmadas, descobrimos o pior. A nossa impotência. O bloqueio estendia-se ao inimaginável, até nenhum som vindo do Mosteiro se conseguir ouvir. Máquinas fotográficas inspeccionadas ao milímetro, questionados ao milímetro, desde esse instante, controlados ao milímetro. Telefones, internet, conversas, gestos e decisões. Tínhamos sido as únicas testemunhas do início, da violência utilizada sem justificações de defesa, da experiência que demonstraram, da rapidez com que limparam o local de olhos e provas, da postura silenciosa daqueles monges. Os sete dias até à chegada ao Nepal, por terra, a dormir em pequenas aldeias no meio dos Himalaias, ficaram marcados pela tentativa de criar medo. Presos nos quartos, revistados, identificação constantemente exigida na estrada e após a única consulta do e-mail, as horas que passámos na fronteira… Mas não foi o que mais me assustou. Foi a certeza do que vi: o controlo do povo chinês e tibetano levado ao extremo por violência e impunidade; a quantidade sem fim de agentes à paisana ou pessoas que a troco de uns sapatos novos falam do que se passa na casa ao lado; o medo; a propaganda; a confissão assustada de que a falta de direitos humanos ultrapassa o não ter pão. Aqui morre-se por ter opinião.

Tudo o resto que vivi no Tibete ultrapassa um texto legível… por enquanto. Mas tenho voz. E não me esqueço.

Texto: Clara Faria Piçarra
Fotografia (tirada instantes antes): Miguel Sacramento"