Há quem não consiga passar mais de 24 horas sem champô e há aqueles que não o usam há anos. Os adeptos do No Poo Movement acreditam que os químicos dos champôs prejudicam mais do que ajudam. A solução? Usar apenas água e deixar os óleos naturais do cabelo fazer o “trabalho sujo”.
À primeira vista este método pode parecer uma ideia de um projecto naturalista radical. De facto, falámos com uma dermatologista e um cabeleiro e nenhum dos dois tinha ouvido falar do No Shampoo Movement (No Poo) . Mas os relatos de experiências estão um pouco por toda a web. Há blogues especializados para partilha de experiências e nem as celebridades escapam. Robert Pattinson, Adele, Jessica Simpson e o príncipe Harry já revelaram que o champô não é um habitué nos seus cuidados capilares.
Uma pesquisa simples pelo termos “No Poo” devolve-nos um universo de informações distintas, ainda que existam poucas referências relativas a Portugal. Antes de mais, é importante distinguir No Poo de Low Poo. A rotina No Poo implica que se desista totalmente do champô. As lavagens fazem-se apenas com água sem por isso descuidar a massagem do couro cabeludo. Para a manutenção pode recorrer-se esporadicamente a misturas caseiras de ingredientes como o bicarbonato de sódio ou o vinagre de maçã. Já quem não consegue passar sem champô recorre ao método Low Poo, ou seja, reduz ao máximo o número de lavagens com champô, utilizando preferencialmente um que não seja composto por sulfatos.
Para a dermatologista Vera Monteiro Torres, a distinção entre usar champô com menos frequência ou aboli-lo por completo é muito significativa: “O número de lavagens deve ser adequado a cada pessoa e, se há quem consiga passar uma semana ou mais apenas com uma lavagem, isso não tem problema”. Já quando se trata de recorrer apenas a água a questão muda de figura. “A água desempoeira e remove os vestígios de poluição, mas não remove a gordura que se acumula nas raízes e no couro cabeludo”, explica a dermatologista.
Abdicar do champô é um dos conselhos dados no livro Curly Girls: The Handbook (2001), escrito por Lorraine Massey e Deborah Chiel. As autoras propõem o No Poo como uma alternativa revolucionária para obter caracóis e cachos mais saudáveis e bem definidos. Os adeptos deste método partem do princípio de que o champô remove o sebo capilar, gordura naturalmente segregada pelo couro cabeludo. Assim, para fazer frente à acção agressiva do champô, o couro cabeludo produz ainda mais gordura, o que vai gerar oleosidade extra no cabelo. A fim de remediar este problema, serão precisas lavagens mais frequentes que acabam por estragar as pontas. Vemo-nos então obrigados a usar mais produtos, como condicionadores e máscaras e não tarda estamos presos num ciclo vicioso de produtos e lavagens.
Partilhar experiências
Foi precisamente por se sentir presa nessa rotina que Amber decidiu partilhar no blogue Fulfilled Homemaking a sua experiência: “Ao segundo dia sem o lavar o cabelo ficava demasiado oleoso”. Amber encontrou no método No Poo um desafio, decidiu experimentar e documentar com fotografias o decorrer de seis semanas sem recorrer a champô. O processo não foi fácil - nem rápido. No final da primeira semana o cabelo encontrava-se extremamente oleoso, mas, para a blogger, oleoso é muito diferente de sujo. Durante os banhos passava o cabelo por água, o que eliminaria a sujidade e não os óleos naturais do cabelo. “No fim da segunda semana já consigo ver algumas melhorias que me motivam a continuar”, lê-se no blogue. Um mês depois o cabelo começou a ganhar caracóis e à sexta semana Amber escreveu: “Há anos que o meu cabelo não estava tão bem”. Na fotografia que acompanha este post não há sinais visíveis de excesso de oleosidade. Desde então recorre ocasionalmente a uma mistura de bicarbonato e extracto de melaleuca (tea tree). Actualmente, encontrar uma embalagem de champô em casa de Amber é tarefa impossível: o No Poo conquistou toda a família.
Antes de deixar o champô, a rotina de Amber levava-a a lavar o cabelo diariamente e é possível que isso tenha contribuído para a produção exagerada de oleosidade que a incomodava. “Nalgumas pessoas lavar a cabeça com demasiada frequência pode levar a um aumento da secreção sebácea: quanto mais se lava, mais sebo é produzido”, afirma Vera Torres Monteiro, dermatologista. Nestes casos, controlar o número de lavagens pode ajudar, mas, para a especialista, abdicar do champô não trará benefícios aparentes: “uma higiene e lavagem adequadas trazem saúde ao cabelo”. Também o cabeleiro Eduardo Beauté partilha deste ponto de vista. Para ele, “o cabelo deve ser lavado quando precisa. Mesmo que não seja diariamente, passado uns dias vai ser necessário”.
Champôs há muitos
A palavra champô vem do Hindi champo, que significa massagem. O termo foi depois aplicado no século XIX a um tratamento de limpeza do couro cabeludo. Mas o champô como o conhecemos hoje só se democratizou nos anos 1930. Desde então as fórmulas mudaram mas alguns componentes mantiveram-se. “A sociedade e o mundo evoluíram constantemente e a oferta mudou. O No Poo parece ter sido inventado por pessoas que não conhecem a qualidade de alguns produtos que há no mercado. Claro que há champôs agressivos, mas não faz sentido radicalizar”, conclui Eduardo Beauté.
Os dois especialistas concordam que, em questões de saúde e higiene capilar, o segredo está na qualidade dos produtos a usar. “Existem alternativas mais suaves e até naturais”, afirma Eduardo Beauté. Numa grande superfície é possível comprar qualquer um dos tipos, basta saber o que procurar. Vera Torres Monteiro explica: “Os champôs mais alcalinos contêm na sua composição um detergente (lauril sulfato de sódio) que os pode tornar mais agressivos para o cabelo. Mas também há os anfotéricos que são mais suaves graças a uma substância, a Cocamide Propil Betaína, e quase não têm detergência”.
“Com os produtos que temos hoje no mercado, abdicar do champô é um grande retrocesso”, conclui Eduardo Beauté. Para o cabeleireiro, o No Poo não se apresenta como uma boa alternativa: “Imagine-se o que seria tomar banho só com água, ou uma vez por semana. Não é higiénico, é um disparate”. Já a dermatologista considera que seriam necessários alguns anos de investigação para desmistificar cientificamente a eficácia deste método, mas que, até ao momento, não há razão para acreditar que este “andar para trás” seja preferível. Ainda assim, é de prever que os sites dedicados a este fenómeno continuem a propagar-se e com eles o número de pessoas dispostas a experimentar uma vida livre de champô.
Fonte: Jornal "Público online"