"Ralph Fiennes é Justin Quayle, um alto diplomata britânico a servir no Quénia. A sua mulher Tessa (Rachel Weisz) é uma activista que aparece morta passados 10 minutos de filme. Ao investigar, Justin descobre que Tessa sabia demais e tenta encontrar justificações para a morte dela, num enredo complexo que envolve conspirações, lobbies farmacêuticos e experiências de drogas em "cobaias humanas" moribundas.
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Meirelles destila competência pelos quatro costados. Tem a acutilância de um Michael Moore pela forma como mete o dedo (e as duas mãos) na ferida e tem a mestria de um Peter Jackson no modo como usa a panóplia de recursos cinematográficos que tem ao seu dispôr para transmitir a gama de fortíssimas emoções que este filme transpira.
Menti ali em cima. Terei de revelar um pouco mais do enredo para perceberem o quão profundo Meirelles é (e vai) na forma como pensa, interpreta e executa esta adaptação da obra de John Le Carré. À medida que Justin vai investigando os segredos que Tessa guardava, Meirelles executa, com notável precisão, sequências de close-ups, imagens rápidas ou travellings suaves para transmitir a dor, incompreensão ou a incerteza que pululam pela mente de Ralph Fiennes ao longo do filme. Este assina um trabalho como há muito não via, exibindo, no écran, um carácter aparentemente calmo, mas que se acaba por perder em determinados momentos, inevitavelmente. Raiva, frustração e amor são outros vocábulos pelos quais Fiennes pauta a sua excelente interpretação, sempre com a alma de Tessa, a sua "casa", como inspiração. Porque, no meio das conspirações e dos lobbies, resta o amor, se calhar o último dos mais puros sentimentos e a última hipótese de unificar a espécie humana em torno de algo maior, que não sejam os interesses económicos.
O argumento é uma adaptação de um romance, como já foi referido. Mas a sua actualidade é inquestionável e as teorias da conspiração que levanta serão, com toda a certeza, muito mais do que isso. Serão factos indesmentíveis cuja veracidade nós, simples humanos a viver os nossos dia-a-dias mesquinhos e pacatos, nunca poderemos asseverar. No entanto, a ideia de existirem lobbies farmacêuticos a facturar milhões de dólares à custa das mais vis doenças humanas, como a SIDA ou a emergente gripe das aves, está longe de parecer disparatada. Terei de relembrar as pessoas que já foram com os cães após experimentarem o tão propalado Tamiflu, esse Santo Graal contra uma epidemia que ainda nem existe?
E quantos de nós alguma vez parámos para pensar no número de vidas que custou o actual grau de sofisticação dos medicamentos? Quantas vidas, quantos sonhos, quantas esperanças... Quantas potenciais experiências em animais e humanos para que nós possamos não ter dores de cabeça ou hemorróidas. Foda-se, uma dor de cabeça... O que Meirelles nos mostra, o que aquelas pessoas aguentam e sofrem por um comprimido faz-nos relativizar quase tudo.
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Meirelles mostra também uma África empobrecida, triste, laranja, poeirenta, perdida no espaço e no tempo, que parece ter saltado umas quantas gerações de desenvolvimento, e à qual parece faltar quase tudo, menos uma alma e uma esperança, patente na cena final do filme, demasiado poderosa. E é esta África que é, aqui, palco do maior laboratório de experiências farmacêuticas à face da terra.
Tempo é dinheiro. Vidas moribundas, e ainda mais africanas, são baratas aos olhos da ganância.
Quanto mais rápido sai o medicamento, mais dinheiro se ganha. Não importa o preço em vidas.
E o mundo é mais triste, por haver gente assim a desonrar a nossa espécie...
Fazer isto a animais é cobardia. Fazer isto aos da própria espécie é desumanidade...
Mereceremos andar aqui? Talvez não, por isso creio que a nossa extinção já terá data marcada nos cânones divinos.
São apenas algumas das minhas reflexões, cada espectador do filme terá as suas.
Como já devem ter percebido, o filme, enquanto tal, é soberbo.
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Para o resto do mundo, Fernando Meirelles mostra, com este filme, que é um realizador de estalo, pois alia uma notável capacidade de contar histórias delicadas com a mestria cinematográfica dos melhores do ramo. O argumento é tremendamente sensível, incomoda, mas abre consciências a martelo, o que nos dias de hoje é essencial pois, de alguma forma, há coisas que têm que chegar aos olhos e ouvidos do mundo.
Restam as minhas desculpas por esta crítica não ter sido tão linear como as precedentes, mas a hora vai alta e este filme é um campo de estudo tão vasto e subjectivo que é impossível sintetizar tudo em algumas linhas...
O melhor: Os polegares levantados das crianças no final. O olhar de Ralph Fiennes. O argumento. O amor. A raiva que os lobbies, a corrupção e o "fechar de olhos" provocam no espectador. As consciências iluminadas com uma porra dum holofote de 500W. A inocência perdida. O acreditar nas nossas causas e nos nossos princípios. Fernando Meirelles.
O pior: O poster do filme, como se pode ver. Uma paneleirice tão mal escolhida que, à primeira vista, faz o filme passar por um dramalhão romântico de Domingo à tarde. Não se deixem enganar!
Veredicto: Se calhar, o melhor do ano, a par de Crash."
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Meirelles destila competência pelos quatro costados. Tem a acutilância de um Michael Moore pela forma como mete o dedo (e as duas mãos) na ferida e tem a mestria de um Peter Jackson no modo como usa a panóplia de recursos cinematográficos que tem ao seu dispôr para transmitir a gama de fortíssimas emoções que este filme transpira.
Menti ali em cima. Terei de revelar um pouco mais do enredo para perceberem o quão profundo Meirelles é (e vai) na forma como pensa, interpreta e executa esta adaptação da obra de John Le Carré. À medida que Justin vai investigando os segredos que Tessa guardava, Meirelles executa, com notável precisão, sequências de close-ups, imagens rápidas ou travellings suaves para transmitir a dor, incompreensão ou a incerteza que pululam pela mente de Ralph Fiennes ao longo do filme. Este assina um trabalho como há muito não via, exibindo, no écran, um carácter aparentemente calmo, mas que se acaba por perder em determinados momentos, inevitavelmente. Raiva, frustração e amor são outros vocábulos pelos quais Fiennes pauta a sua excelente interpretação, sempre com a alma de Tessa, a sua "casa", como inspiração. Porque, no meio das conspirações e dos lobbies, resta o amor, se calhar o último dos mais puros sentimentos e a última hipótese de unificar a espécie humana em torno de algo maior, que não sejam os interesses económicos.
O argumento é uma adaptação de um romance, como já foi referido. Mas a sua actualidade é inquestionável e as teorias da conspiração que levanta serão, com toda a certeza, muito mais do que isso. Serão factos indesmentíveis cuja veracidade nós, simples humanos a viver os nossos dia-a-dias mesquinhos e pacatos, nunca poderemos asseverar. No entanto, a ideia de existirem lobbies farmacêuticos a facturar milhões de dólares à custa das mais vis doenças humanas, como a SIDA ou a emergente gripe das aves, está longe de parecer disparatada. Terei de relembrar as pessoas que já foram com os cães após experimentarem o tão propalado Tamiflu, esse Santo Graal contra uma epidemia que ainda nem existe?
E quantos de nós alguma vez parámos para pensar no número de vidas que custou o actual grau de sofisticação dos medicamentos? Quantas vidas, quantos sonhos, quantas esperanças... Quantas potenciais experiências em animais e humanos para que nós possamos não ter dores de cabeça ou hemorróidas. Foda-se, uma dor de cabeça... O que Meirelles nos mostra, o que aquelas pessoas aguentam e sofrem por um comprimido faz-nos relativizar quase tudo.
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Meirelles mostra também uma África empobrecida, triste, laranja, poeirenta, perdida no espaço e no tempo, que parece ter saltado umas quantas gerações de desenvolvimento, e à qual parece faltar quase tudo, menos uma alma e uma esperança, patente na cena final do filme, demasiado poderosa. E é esta África que é, aqui, palco do maior laboratório de experiências farmacêuticas à face da terra.
Tempo é dinheiro. Vidas moribundas, e ainda mais africanas, são baratas aos olhos da ganância.
Quanto mais rápido sai o medicamento, mais dinheiro se ganha. Não importa o preço em vidas.
E o mundo é mais triste, por haver gente assim a desonrar a nossa espécie...
Fazer isto a animais é cobardia. Fazer isto aos da própria espécie é desumanidade...
Mereceremos andar aqui? Talvez não, por isso creio que a nossa extinção já terá data marcada nos cânones divinos.
São apenas algumas das minhas reflexões, cada espectador do filme terá as suas.
Como já devem ter percebido, o filme, enquanto tal, é soberbo.
...
Para o resto do mundo, Fernando Meirelles mostra, com este filme, que é um realizador de estalo, pois alia uma notável capacidade de contar histórias delicadas com a mestria cinematográfica dos melhores do ramo. O argumento é tremendamente sensível, incomoda, mas abre consciências a martelo, o que nos dias de hoje é essencial pois, de alguma forma, há coisas que têm que chegar aos olhos e ouvidos do mundo.
Restam as minhas desculpas por esta crítica não ter sido tão linear como as precedentes, mas a hora vai alta e este filme é um campo de estudo tão vasto e subjectivo que é impossível sintetizar tudo em algumas linhas...
O melhor: Os polegares levantados das crianças no final. O olhar de Ralph Fiennes. O argumento. O amor. A raiva que os lobbies, a corrupção e o "fechar de olhos" provocam no espectador. As consciências iluminadas com uma porra dum holofote de 500W. A inocência perdida. O acreditar nas nossas causas e nos nossos princípios. Fernando Meirelles.
O pior: O poster do filme, como se pode ver. Uma paneleirice tão mal escolhida que, à primeira vista, faz o filme passar por um dramalhão romântico de Domingo à tarde. Não se deixem enganar!
Veredicto: Se calhar, o melhor do ano, a par de Crash."
Obrigada Edgar.
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