segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

"O escândalo do falso acordo"


Concertação Social não pára de aumentar.

O mal-estar causado pela assinatura do Acordo de Concertação Social não pára de aumentar. E, à medida que se conhecem os itens do documento, as baterias apontadas ao eng.º João Proença são cada vez mais. Torres Couto, fundador da UGT, afirmou que o acto é "suicidário" e que aquela central caminha para a dissolução. E sindicatos e sindicalistas afins não param de criticar, por vezes acerbamente, o que entender ser uma capitulação de Proença. Este, claramente irritado, tem procurado defender-se com argumentos tão irracionais como idiotas, mas o que está em causa deita por terra qualquer tentativa de justificação. 

O dr. Passos Coelho subiu ao palco e disse, entre outras banalidades e omissões, que se estava em presença "de uma grande coligação social." Não é assim. O primeiro-ministro não aceita as evidências e quer enganar quem? Com a saída da CGTP, o desenrolar dos acontecimentos são de molde a preocupar. Menos de vinte e quatro horas depois, uma manifestação de descontentes gritou a sua cólera perante o edifício do Parlamento. "E isto não vai parar!", exclamou Carvalho da Silva, que vai deixar o lugar de secretário-geral da CGTP, por exigências estatutárias, e ser substituído por Arménio Carlos. 


Claro que apareceram aduladores do documento. Os mais despropositados foram o dr. Tavares de Miranda e o também dr. Braga de Macedo, recuperados de um limbo onde muito bem estavam. O dr. Miranda discreteou acerca das inabaláveis virtudes de um texto, cujos objectivos salvíficos são comoventes. Parece que a pátria estava em perigo de soçobrar, não acontecesse a assinatura singularmente patriótica do eng.º Proença. E o dr. Braga, sempre muito inteligente, exautorou as declarações de Torres Couto, de quem disse ser muito amigo, fora o despautério daquele absurdo "radicalismo"; ou foi "fundamentalismo" o que disse? 

O facto é que o "acordo" é um texto beligerante, que desfere golpes terríveis em muitos avanços sociais do mundo do trabalho. A Imprensa tem enumerado a lista e chega a ser sórdido o que patrões e governo querem fazer com o apoio sorridente do eng.º Proença. Este, desasado e sem saber onde se meter, culpa os jornalistas. Os jornalistas são culpados de muita coisa; mas de esta, não. O eng.º Proença cumpre, aliás, o desígnio histórico que tem caracterizado o seu trajecto e o da UGT. Não vale a pena cauterizar velhas feridas fazendo ressurgir histórias ignóbeis. Mas cada um come do que quer e a mais não é obrigado. 

A verdade é que as ambições patronais foram obtidas, com a conivência de UGT, e não há volta a dar ante as circunstâncias. O escarmento de que o eng.º Proença é alvo não é injusto: ele assumiu as responsabilidades de fazer o que fez, num momento particularmente dramático da sociedade portuguesa e, em especial, da classe trabalhadora. Porque é esse o caso. Todos nós, os que trabalhamos, operários, jornalistas, professores, mecânicos, motoristas, vamos ser atingidos pela onda avassaladora de uma série de iniquidades de que a UGT é responsável. É extremamente significativo ver quem apoia e aplaude este acordo. E a desvergonha aumenta quando o eng.º Proença agita a bandeira da "meia hora" como vitória singular. A verdade é que a historieta da "meia hora" foi um engodo, enganador como todos os engodos. As coisas estavam preparadas e cumpliciadas para se apresentar a "cedência" governamental e patronal como ganho sindical. O embuste servia para justificar o que aí vinha. 

Estamos em pleno reino da infâmia. Enfraquecido pelas pressões conservadoras e ultraliberais e pelas traições oportunistas de aventureiros sem escrúpulos, o mundo do trabalho está cada vez mais encostado á parede do seu infortúnio. Porém, a história no-lo ensina que os incidentes de percurso, por dramáticos e dolorosos que sejam, são superados pela força da razão. Estamos num desses períodos, em que tudo parece perdido. Mas não está. O estádio civilizacional será, ocasionalmente, interrompido, mas não é nunca uma etapa definitiva. E o poder, quase totalitário, que parece avassalar a Europa, começa, aliás, a apresentar fissuras. Todas as derrotas são aparentes, por muito duradouras no aspecto. E não há conquista sem luta nem luta sem sofrimento."

Fonte: Baptista Bastos

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