Quando se quer elogiar estes loucos, chama-se-lhes também idealistas, mas é claro que com isso só se alude à sua natureza débil, incapaz de compreender a realidade, ou que a evita por melancolia, uma natureza na qual a falta do sentido de realidade é um verdadeiro defeito. O possível, porém, não abarca apenas os sonhos dos neurasténicos, mas também os desígnios ainda adormecidos de Deus. Uma experiência possível ou uma verdade possível não são iguais a uma experiência real e uma verdade real menos o valor da sua realidade, mas têm, pelo menos do ponto de vista dos seus partidários, algo de muito divino, um fogo, um ímpeto, uma vontade de construir e um utopismo consciente que não teme a realidade, antes vê nela uma missão e uma invenção.
Ao fim e ao cabo, a Terra não é assim tão velha, e não se pode dizer que o seu estado alguma vez tenha sido verdadeiramente interessante. Se quisermos então distinguir de uma maneira fácil aqueles que se guiam pelo sentido do real dos que se guiam pelo sentido do possível, basta pensarmos numa determinada soma de dinheiro. Por exemplo: tudo aquilo que mil marcos contêm, efectivamente, de possibilidades, está de facto neles, quer os possuamos quer não; o facto de o senhor Eu ou o senhor Tu os possuírem não lhes acrescenta nada, como nada acrescentaria a uma rosa ou a uma mulher. Mas, dizem os do sentido de realidade, um louco faz com eles um pé-de-meia, enquanto um homem prático os põe a trabalhar para si; até à beleza de uma mulher aquele que a possui acrescenta ou retira alguma coisa.
É a realidade que desperta a possibilidade, e nada seria mais errado do que negar isso. E no entanto, no cômputo global ou em média, as possibilidades serão sempre as mesmas até aparecer alguém para quem uma coisa real não é mais importante do que uma imaginária. É ele que dará às novas possibilidades o seu sentido e a sua finalidade, é ele que as desperta.
(Robert Musil, em "O Homem sem Qualidades")
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