A Dona Antónia trabalhava nos correios e pergunta-me, sempre que me vê na mercearia a comprar clementinas do Algarve, se eu sei o que significa o cavaleiro a tocar a trompeta no cavalo empinado, símbolo dos CTT. Com a paciência de quem conta as lesmas no quintal e chupando o divino açúcar das mouras frutas, respondia-lhe com toque matreiro que nada sabia, só pelo prazer de a ouvir contar a mesma lengalenga: o célebre montador representa o arauto medievo das epístolas, antes dessa modernice do telégrafo e quando os mansos cornos dos bois ritmavam o país, a par do toque da matriz. O país do atraso e dos atrasados.
A Dona Antónia também é piegas, além de improdutiva. Nunca passou da cepa torta, coitada, e nos correios jamais foi promovida porque perdia muito tempo a ouvir as maleitas dos velhotes que iam levantar a pensão e contar as côdeas perdigotando o dedo. Nas acções de formação fugia-lhe o olho lírico para o Chefe Jaime, mas este, nada piegas, queria ser secretário de estado das telecomunicações e nunca lhe deu bola.
O Chefe Jaime era conhecido pelas suas ideias avançadas, particularmente quando dizia que só ele faria o trabalho dos quatro colegas da estação dos Prazeres, alarido que muito agradou à administração que, num ataque de proeficiência, despediu a Dona Antónia, A Senhora Perpétua, a jovem Vanessa e o precário Adérito. A Senhora Perpétua escrevia sonetos, que são uma pieguice pegada; a jovem Vanessa apaixonou-se pelo vocalista surdo dos anzóis danados e a paixão é um fogo que queima as pálpebras da eficácia e o precário Adérito, ah, o precário Adérito, tinha uma fantasia sexual com as tartarugas da Antártida, que são, é sabido, muito lentas.
O resmunguarda não sabia o que dizer, mas a sua patologia melancólica fazia-o desconfiar do metódico condutor que atropelou o Tobias só porque a fera não estava na passadeira. Custe o que custar, dizia o automobilizado, o meu carro há-de passar.
A Dona Antónia enterrou o Tobias no quintal e em vez de lápide plantou uma preguiçosa oliveira grega que levanta os braços para o Sol – devagar, muito devagar.
Crónica de João Teixeira Lopes, em "P3".
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