~Clarice Lispector
Comentário à citação de Clarice Lispector, que achei muito interessante, de tal forma partilho...
A sociedade discretamente nos convence da vida que devemos ter, do ciclo que devemos seguir e das obrigações que devemos considerar. Tornando-nos pessoas cegas e inconscientes. A tv em vez de ensinar, manipula. A música em vez de entreter, instiga. As revistas em vez de mostrar fatos, nos trás fofocas.E a pessoa em vez de questionar, aceita. A vaidade em vez de ser algo natural é algo nocivo, como já dizia Hebert Viana: “Religião, é dieta. Fé, só na estética.Ritual é malhação. Amor é cafona. Sinceridade é careta. Pudor é ridículo.Sentimento é bobagem. Gordura é pecado mortal. Ruga é contravenção.Roubar pode, envelhecer não. Estria é caso de polícia. Celulite é falta de educação. Filho da puta bem sucedido é exemplo de sucesso. Jovens não têm mais fé, nem idealismo, nem posição política. Adultos perdem o senso em busca da juventude fabricada”. E assim a sociedade vai se infiltrando cada vez mais fundo nos finos pêlos do grande coelho branco que é tirado da cartola do Universo, e lá instala seu confortável lar. Em vez de dar, exigimos, e em vez de aproveitar, reclamamos. Em vez de reclamar do que devemos, aceitamos. Aceitamos estudar com um único objetivo, aceitamos ultrapassar esse objetivo entrando em uma faculdade, e depois ainda criamos outro objetivo, ser um bom profissional, pra ter um bom dinheiro, pra poder comprar uma boa tv de plasma e pagar a balada do filho adolescente. Aceitamos trabalhar mais do que agüentamos, afinal, precisamos de dinheiro pra manter nosso padrão de vida,precisamos de dinheiro pra ter com que pagar as filas em que se cobram. A grande ilusão. A natureza nos dá tudo, nós não lhe damos nada, nós a usamos pra correr nosso ciclo, e quando estivermos velhinhos, ganhando nossa aposentadoria, poderemos olhar fotos do mundo e de tudo que não vimos pq estávamos muito ocupados com o corre-corre em busca da estabilidade. E assim, sem perceber, de fininho, a sociedade nos corrompe e nos impede de sonhar, torna nossa ambição maior que nossa razão, e nosso materialismo/consumismo maior que nossa sede de conhecimento. E no tempo em que deveríamos sonhar, nós dormimos, nós corremos, nós vamos ao banco, nós assistimos futebol, nós assistimos novela, pq afinal, não podemos perder tempo sonhando num mundo tão desenvolvido. E em vez de pararmos na estrada pra ver as estrelas no céu tão bonitas, nós apertamos mais o acelerador, pq afinal, já é tarde e trabalhamos o dia todo pra chegar em casa,tomar uma ducha, comer uma lasanha congelada e dormir, pq amanhã acordamos cedo. E nesse meio tempo, ninguém teve tempo de perceber que o ano de 1984 chegou, do jeito que queria chegar, discretamente, aniquilando palavras do nosso vocabulário e implantando desejos em nossa mente. Nos trazendo medo, medo de ir até ali às 11 da noite pq podemos ser assaltados,medo de conversar com um desconhecido pq ele pode ser o que não parece,medo de ir até a outra cidade de bicicleta pq periga sofrer um acidente, medo de dar um pulinho no país ao lado por ter medo do desconhecido.
Trazendo preguiça e comodismo. O comodismo de ir até a padaria de carro, pra que ir apé se tem um carro pra nos levar? O comodismo de não fazer comida, pra que fazer comida se tem o delivery da lanchonete? E desse jeito perdemos o que deveríamos ter guardado, a sete chaves, no fundo de nossos desejos, a necessidade de arriscar, a necessidade de mudar, a necessidade de correr o risco, e a vontade de correr de encontro ao desconhecido. "Os riscos devem ser corridos, porque o maior perigo é não arriscar nada. A pessoa que não corre nenhum risco, não faz nada, não tem nada, não consegue nada e não é nada. Ela pode até evitar sofrimentos e desilusões, mas não sente, não muda,não cresce, não ama, não vive. Acorrentada por suas atitudes, ela torna-se escrava e priva-se da liberdade”. “Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!”.E é por essas e outras que muita coisa nesse mundo é "só para raros".Eu espero “que as pessoas discutam o assunto. Que alguém acorde. Que o mundo mude. Que eu me acalme. Que o amor sobreviva”
De B. Rodrigues.
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