«Alguma coisa a declarar?» «Sim, não vás à Ucrânia.»
O trocadilho do filme "Snatch" adapta-se bem ao que se tem passado durante este Euro. O governo ucraniano teve uma oportunidade única para promover um país visto com desconfiança pelo resto do mundo. Em vez disso, deu razões a todas as críticas. Os empresários dos ramos turísticos quiseram ganhar fortunas durante o Euro e ignoraram a possibilidade de lucro para os anos seguintes.
Esta postura de gula desmedida começou no próprio preço dos hotéis. Aqueles que aumentaram para o triplo eram os mais baratos. Onde se costuma dormir por 50 euros, dorme-se agora por 500 euros. Até domingo, pelo menos. Face a esta inflação desmedida, quase todos os adeptos preferiram ficar na Polónia e deslocarem-se à Ucrânia apenas para assistirem aos jogos.
A falta de condições continua nos transportes públicos. Redes de autocarros e comboios perfeitamente deficientes, poucas opções horárias, falta de informação e incapacidade de grande parte dos operadores turísticos para se exprimirem em inglês. A estocada final era dada pela desonestidade dos taxistas e pelo convite ao suborno feito pelos próprios polícias. Na Ucrânia ninguém parece imune à tentativa de extorquir dinheiro aos adeptos estrangeiros.
Mitos urbanos
A única nota positiva nesta organização vai para a segurança. Sobretudo pelo que se disse antes do Euro. Muito foi escrito sobre os eventuais perigos da Ucrânia. Uma suposta terra sem lei onde grupos criminosos esperavam pelos adeptos das diferentes equipas para «roubar, estripar e violar». Ouvi a mesma história vezes sem conta. Sobre as grandes redes de tráfico de órgãos. Faziam a abordagem através de prostitutas de luxo. Mulheres lindas com a missão de atrair turistas para casas ou hotéis onde os «talhantes» estariam à espera.
Estes relatos têm circulado na imprensa e nas próprias ruas ucranianas. Talvez tenha sido uma forma encontrada pela população local para meter medo aos turistas e não permitir que estes se sentissem demasiado à vontade com as suas mulheres. Por experiência própria, devo dizer que estas histórias não passam disso mesmo. Mitos urbanos em época de Euro. Nunca me senti inseguro ou em perigo. É preciso andar atento e não seguir estranhos para zonas desconhecidas? Ok, é verdade. Comportamentos básicos que servem para qualquer parte do mundo.
Dinheiro fresco
Por outro lado, várias vezes senti que me tentavam enganar: restaurantes, bares, lojas de conveniência. Os preços eram variáveis mediante a nacionalidade ou grau de alcoolemia do cliente.
Há ainda um estereótipo errado que os ucranianos nunca conseguiram ultrapassar. Uma ideia mal concebida que os levou a facilitar em muitos aspetos: pensaram que os adeptos estrangeiros queriam apenas futebol, álcool e sexo. E desde que tivessem esta oferta, tudo estaria bem. Fizeram o retrato geral usando como exemplo alguns adeptos ingleses para os quais isto chega e sobra. Nunca perceberam que um adepto que acompanha a sua equipa começa por ser um viajante e um turista. Alguém que pode querer voltar. E para isso necessita de ver mais alguma além de álcool e sexo. Precisa de saber onde está, para onde vai, como pode ir, o tempo que vai demorar e quanto custa toda esta mobilidade. Transportes, alojamento, acessos rodoviários ou pedonais e honestidade nas transações financeiras. A falta destas necessidades básicas representa uma perda para o futuro turístico do país e uma tremenda derrota para a UEFA.
Cedo se percebeu que era demasiado difícil e dispendioso chegar à Ucrânia para ver futebol, fosse qual fosse o ponto de partida. Já antes do Euro havia esta certeza. A UEFA fez várias ameaças, porém nunca foi levada a sério pelos ucranianos. Basta falar-lhes no nome de Platini para se começarem a rir. «O país é nosso, o Euro é nosso. Aqui a UEFA não manda nada!» O discurso é comum a todos: lojistas, hoteleiros, polícias, soldados e restante população. «Platini? Não estamos em França.»
Cobradores vaidosos
Seria interessante voltar à Ucrânia daqui por cinco ou dez anos e perceber o que mudou depois deste Euro (ou ver se alguma coisa mudou). O país tem potencial para ser melhor e algumas pessoas estavam realmente interessadas em usar este Euro com boas intenções. Infelizmente, são uma minoria incapaz de inverter o rumo de uma sociedade controlada por poderes corruptos. Desde o governo aos pequenos negócios.
Vi o mesmo filme mais do que uma vez. Um carro de alta cilindrada estaciona em frente de uma loja. Saem dois tipos do veículo. São sempre dois. Bem vestidos, musculados, mal encarados. Entram por pouco tempo e abandonam o local com uma pequena mala ou um envelope. Nem se preocupam em esconder o envelope. Voltam a entrar no veículo se seguem até à próxima paragem.
Tratam-se de cobradores. Homens que vão recolher o imposto de rua a todos aqueles que arriscam trabalhar por conta própria. Tudo isto é feito às claras. Até dá ideia que estes indivíduos têm uma certa vaidade em mostrar aos turistas o que estão a fazer. Um exibicionismo de impunidade.
Há sítios melhores
A Ucrânia é uma nação de contrastes, como muitos outros. Mistura o sorriso das crianças com a impotência e tristeza espelhada nos rostos dos mais velhos. Bastam umas horas neste país para perceber porque há tantos ucranianos a querer voar para outras paragens.
Gostava de ser mais simpático nesta crónica. Adorava poder dizer que não vejo a hora de lá regressar. Contudo, estaria a mentir. À exceção da bonita cidade de Lviv, nunca vi nada na Ucrânia que me leve a colocá-la como um dos próximos 20 destinos de férias. Vale a pena visitar se a nossa equipa lá jogar ou se tivermos de ir em trabalho. Fora estes dois casos, há sítios melhores para gastar dinheiro.
Em termos de imagem internacional, a Ucrânia fez o mesmo que Bruno Alves: rematou à trave e desperdiçou a oportunidade. Ao contrário da Polónia…
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