terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O amor é uma companhia.

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

10-7-1930 “O Pastor Amoroso”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).  - 100.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

"Eu amei a justiça e odiei a iniquidade: por isso, morro no exílio.”

Carta que Eugénio Lisboa escreveu a Passos Coelho. O signatário tem hoje 82 anos e, para além de todas as funções que desempenhou e enuncia no final, foi um ensaísta e crítico literário notável. Peço a vossa atenção, porque fala em nome de todos nós. Trata-se de uma reflexão sobre a saúde da nossa pátria e penso que ninguém, de nenhum quadrante, poderá ficar-lhe indiferente.

CARTA AO PRIMEIRO-MINISTRO DE PORTUGAL

Exmo. Senhor Primeiro Ministro

Hesitei muito em dirigir-lhe estas palavras, que mais não dão do que uma pálida ideia da onda de indignação que varre o país, de norte a sul, e de leste a oeste. Além do mais, não é meu costume nem vocação escrever coisas de cariz político, mais me inclinando para o pelouro cultural. Mas há momentos em que, mesmo que não vamos nós ao encontro da política, vem ela, irresistivelmente, ao nosso encontro. E, então, não há que fugir-lhe.

Para ser inteiramente franco, escrevo-lhe, não tanto por acreditar que vá ter em V. Exa. qualquer efeito – todo o vosso comportamento, neste primeiro ano de governo, traindo, inescrupulosamente, todas as promessas feitas em campanha eleitoral, não convida à esperança numa reviravolta! – mas, antes, para ficar de bem com a minha consciência. Tenho 82 anos e pouco me restará de vida, o que significa que, a mim, já pouco mal poderá infligir V. Exa. e o algum que me inflija será sempre de curta duração. É aquilo a que costumo chamar “as vantagens do túmulo” ou, se preferir, a coragem que dá a proximidade do túmulo. Tanto o que me dê como o que me tire será sempre de curta duração. Não será, pois, de mim que falo, mesmo quando use, na frase, o “odioso eu”, a que aludia Pascal.

Mas tenho, como disse, 82 anos, e, portanto, uma alongada e bem vivida experiência da velhice – da minha e da dos meus amigos e familiares. A velhice é um pouco – ou é muito – a experiência de uma contínua e ininterrupta perda de poderes. “Desistir é a derradeira tragédia”, disse um escritor pouco conhecido. Desistir é aquilo que vão fazendo, sem cessar, os que envelhecem. Desistir, palavra horrível. Estamos no verão, no momento em que escrevo isto, e acorrem-me as palavras tremendas de um grande poeta inglês do século XX (Eliot): “Um velho, num mês de secura”... A velhice, encarquilhando-se, no meio da desolação e da secura. É para isto que servem os poetas: para encontrarem, em poucas palavras, a medalha eficaz e definitiva para uma situação, uma visão, uma emoção ou uma ideia.

A velhice, Senhor Primeiro Ministro, é, com as dores que arrasta – as físicas, as emotivas e as morais – um período bem difícil de atravessar. Já alguém a definiu como o departamento dos doentes externos do Purgatório. E uma grande contista da Nova Zelândia, que dava pelo nome de Katherine Mansfield, com a afinada sensibilidade e sabedoria da vida, de que V. Exa. e o seu governo parecem ter défice, observou, num dos contos singulares do seu belíssimo livro intitulado The Garden Party: “O velho Sr. Neave achava-se demasiado velho para a primavera.

” Ser velho é também isto: acharmos que a primavera já não é para nós, que não temos direito a ela, que estamos a mais, dentro dela... Já foi nossa, já, de certo modo, nos definiu. Hoje, não. Hoje, sentimos que já não interessamos, que, até, incomodamos.
Todo o discurso político de V. Exas., os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma direcção: mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós. Cortam-nos tudo, o conforto, o direito de nos sentirmos, não digo amados (seria muito), mas, de algum modo, utilizáveis: sempre temos umas pitadas de sabedoria caseira a propiciar aos mais estouvados e impulsivos da nova casta que nos assola. Mas não. Pessoas, como eu, estiveram, até depois dos 65 anos, sem gastar um tostão ao Estado, com a sua saúde ou com a faltadela. Sempre, no entanto, descontando uma fatia pesada do seu salário, para uma ADSE, que talvez nos fosse útil, num período de necessidade, que se foi desejando longínquo. Chegado, já sobre o tarde, o momento de alguma necessidade, tudo nos é retirado, sem uma atenção, pequena que fosse, ao contrato anteriormente firmado. É quando mais necessitamos, para lutar contra a doença, contra a dor e contra o isolamento gradativamente crescente, que nos constituímos em alvo favorito do tiroteio fiscal: subsídios (que não passavam de uma forma de disfarçar a incompetência salarial), comparticipações nos custos da saúde, actualizações salariais – tudo pela borda fora. Incluindo, também, esse papel embaraçoso que é a Constituição, particularmente odiada por estes novos fundibulários. O que é preciso é salvar os ricos, os bancos, que andaram a brincar à Dona Branca com o nosso dinheiro e as empresas de tubarões, que enriquecem sem arriscar um cabelo, em simbiose sinistra com um Estado que dá o que não é dele e paga o que diz não ter, para que eles enriqueçam mais, passando a fruir o que também não é deles, porque até é nosso.

Já alguém, aludindo à mesma falta de sensibilidade de que V. Exa. dá provas, em relação à velhice e aos seus poderes decrescentes e mal apoiados, sugeriu, com humor ferino, que se atirassem os velhos e os reformados para asilos desguarnecidos , situados, de preferência, em andares altos de prédios muito altos: de um 14º andar, explicava, a desolação que se comtempla até passa por paisagem. V. Exa. e os do seu governo exibem uma sensibilidade muito, mas mesmo muito, neste gosto. V. Exas. transformam a velhice num crime punível pela medida grande. As políticas radicais de V. Exa, e do seu robôtico Ministro das Finanças - sim, porque a Troika informou que as políticas são vossas e não deles... – têm levado a isto: a uma total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página.

Falei da velhice porque é o pelouro que, de momento, tenho mais à mão. Mas o sofrimento devastador, que o fundamentalismo ideológico de V. Exa. está desencadear pelo país fora, afecta muito mais do que a fatia dos velhos e reformados. Jovens sem emprego e sem futuro à vista, homens e mulheres de todas as idades e de todos os caminhos da vida – tudo é queimado no altar ideológico onde arde a chama de um dogma cego à fria realidade dos factos e dos resultados. Dizia Joan Ruddock não acreditar que radicalismo e bom senso fossem incompatíveis. V. Exa. e o seu governo provam que o são: não há forma de conviverem pacificamente. Nisto, estou muito de acordo com a sensatez do antigo ministro conservador inglês, Francis Pym, que teve a ousadia de avisar a Primeira Ministra Margaret Thatcher (uma expoente do extremismo neoliberal), nestes termos: “Extremismo e conservantismo são termos contraditórios”. Pym pagou, é claro, a factura: se a memória me não engana, foi o primeiro membro do primeiro governo de Thatcher a ser despedido, sem apelo nem agravo. A “conservadora” Margaret Thatcher – como o “conservador” Passos Coelho – quis misturar água com azeite, isto é, conservantismo e extremismo. Claro que não dá.

Alguém observava que os americanos ficavam muito admirados quando se sabiam odiados. É possível que, no governo e no partido a que V. Exa. preside, a maior parte dos seus constituintes não se aperceba bem (ou, apercebendo-se, não compreenda), de que lavra, no país, um grande incêndio de ressentimento e ódio. Darei a V. Exa. – e com isto termino – uma pista para um bom entendimento do que se está a passar. Atribuíram-se ao Papa Gregório VII estas palavras: ”Eu amei a justiça e odiei a iniquidade: por isso, morro no exílio.” Uma grande parte da população portuguesa, hoje, sente-se exilada no seu próprio país, pelo delito de pedir mais justiça e mais equidade. Tanto uma como outra se fazem, cada dia, mais invisíveis. Há nisto, é claro, um perigo.

De V. Exa., atentamente,
Eugénio Lisboa

Ex-Director da Total, em Moçambique
Ex-Director da SONAP MOC
Ex-Administrador da SONAPMOC e da SONAREP
Ex-Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal em Londres
Prof. Catedrático Especial de Estudos Portugueses (Univ. Nottingham)
Ex-Presidente da Comissão Nacional da UNESCO
Prof. Catedrático Visitante da Univ. de Aveiro
Doutor Honoris Causa pela Univ. de Nottingham
Doutor Honoris Causa pela Universidade de Aveiro
Medalha de Mérito Cultural (Câmara de Cascais)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

..."A dor humana é só uma dor no peito, enquanto o que fazem com os animais é uma ferida imensa na alma da humanidade."...

Terror em vida
05 de dezembro de 2012 às 10:40

Ultimamente tenho procurado entender o que impede uma pessoa carnista (que ainda escolhe comer carne animal) de abandonar esse hábito.

Anteriormente eu atribuía a não-mudança a um estado de ignorância. Eu achava, ou queria achar, que uma pessoa que ainda consome carne (e derivados animais) o faz por ser dotada de um baixo grau de empatia… Mas há algo de errado com essa premissa.


Na foto, crianças choram ao testemunhar o horror vivido pelos animais nos matadouros. A experiência foi feita pela PETA, nos EUA, e recentemente noticiada pela ANDA (leia matéria completa aqui).

Ignorância? Depois de ver um documentário, o que resta de ignorância? Depois de ouvir os gritos e ver a expressão de horror de um animal sendo torturado pela indústria de carne em um matadouro, o que mais precisa ser mostrado? O que mais pode ser mostrado além disso?

Enquanto algumas pessoas não deixam de garfar seus imprescindíveis pedaços de carne, os animais sofrem o terror em vida! Enquanto se age por capricho do hábito, animais têm sua pele arrancada, animais têm seus olhos perfurados, animais têm vassouras atravessando seus ânus, animais são mortos a pauladas ou a golpes de canos de metal, animais sofrem horrores i-ni-ma-gi-ná-veis! Agonizam, debatem-se, gritam por dentro e por fora… e você aí na garfada? Opa, camarada, tem alguma coisa que perdi pelo caminho. Você não é assim tão inocente.

Inocente é a chuva, a árvore, o animal que você põe no seu prato deliberadamente.

Não mais consumir carne. Você acha isso um grande esforço? Esforço é subir degrau de joelho pra pagar promessa!

Volto à pergunta de sempre: você que come carne gostaria de estar no lugar do animal que teve o pescoço quebrado no matadouro ou do animal que foi arrastado até ter seus ossos quebrados antes de morrer por não mais suportar a dor? Ou será que preferiria ser cortado aos poucos, até seu suspiro final?

Eu juro que detesto contar ou ver a dor em detalhes. Mas o que é qualquer dor humana perto do terror, TERROR, vivido por esses animais? A dor humana é só uma dor no peito, enquanto o que fazem com os animais é uma ferida imensa na alma da humanidade.

A carne do seu prato não é só um pedacinho de carne, não. É o pedaço de uma vida arrancada à força, é uma violência absurda. E você que me lê a esta altura do texto já tem perfeita noção do que é comer carne. Vai dizer que não? Que você imagina um animalzinho super feliz cantarolando a caminho do matadouro, onde será tratado à base de muito carinho, para então morrer ainda mais feliz?

Como é que pode uma pessoa ir treinar caridade no centro espírita, se o que ela come no prato é feito de crueldade? Se o que ela come é feito do avesso da caridade tão proclamada. Hipocrisia não pode mudar de nome. Continue servindo o sopão para os moradores de rua, mas abandone o consumo de carne e todos os derivados animais se quiser que seus atos tenham coerência interna, se quiser que sua existência ainda tenha algum sentido. Caso contrário, sua caridade é uma farsa, e você, apenas mais um. Ajuda um e esquarteja o outro? Hã?

Sinceramente, o que eu penso de quem faz caridade para humanos e concomitantemente financia o terror para os animais: penso que buscam, por meio de uma suposta caridade, uma forma de aliviar suas mentes carregadas de uma culpa inconsciente. Que se manifestem os psicólogos e estudiosos da mente: nem tudo sabemos que sabemos, não é mesmo?

Uma pessoa que ama seu cachorrinho, mas que enche o prato de carne de porco e de vaca e de galinha e come feijão com bacon. Apregoa a paz, faz discurso na ceia de Natal pra depois garfar o tão aguardado peru dilacerado sobre a mesa. Ela não sabe o que come? Está esquecida? Não, está morta.

Lido em Agência "ANDA"

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

...reflexo do que ainda é a sociedade portuguesa (na sua maioria)...vive na pré-história e recusa-se a evoluir em termos de mentalidade e cultura! VERGONHA!...

Unidos na barbárie

Uma votação no parlamento europeu deu, mais uma vez, conta do desfasamento que existe entre os nossos deputados e os seus eleitores. 

Na verdade, pouco se sabe do comportamento destes políticos que pretensamente nos representam em Bruxelas. Mas, quando se descobre o sentido do seu voto em determinadas matérias, fica claro que não merecem confiança. Explico.

Algures na Dinastia Ming, um cozinheiro obtuso decidiu inventar a sopa de barbatana de tubarão. Dados a superstições, os chineses acham que esta mistela lhes dá potência sexual, coisa de que se devem sentir muito necessitados. A raridade do ingrediente fez com que, durante muito tempo, a sopa fosse um acepipe só acessível aos ricos e poderosos. O enriquecimento da China levou, contudo, a um consumo desenfreado, tendo por consequência a quase extinção dos tubarões a oriente. Daí que se tenha começado a pescar esta espécie também nos mares europeus.

A técnica de pesca é atroz. Os tubarões são capturados, cortam-lhes as barbatanas e, ainda vivos, são de novos deitados para a água onde morrem lenta e cruelmente, já que ficam sem capacidade de locomoção.

É neste contexto que o parlamento europeu votou uma lei que proíbe o corte de barbatanas em alto mar. A lei, moderada, nem sequer é contra a pesca destes animais mas obriga a que os mesmos sejam "desmanchados" em terra. Foi aprovada com 566 votos a favor e 47 contra. Ou seja, 47 deputados acham legítima uma tal selvajaria. E quem são eles? Na sua maioria, espanhóis e portugueses. E, nestes últimos, quem votou a favor desta prática vergonhosa? Espante-se. Todos os deputados portugueses, de todos os partidos. Menos um, honra lhe seja feita, o deputado independente Rui Tavares. Sim, Maria de Graça Carvalho, Carlos Coelho, Paulo Rangel, Mário David (do PSD), Capoula Santos, Correia de Campos, Edite Estrela, Ana Gomes, Vital Moreira (do PS), Diogo Feio (do PP), Marisa Matias, Alda Sousa (do Bloco), João Ferreira, Inês Zuber (do PC), votaram em uníssono do lado errado da história e da civilização. Mostraram um raro momento de unidade das várias forças partidárias portuguesas. Só é pena que o tenha sido em defesa da barbárie.

O argumento deste bando de trogloditas é simples. Prende-se com a razão económica. Os pescadores portugueses, coitados, com a nova lei não conseguem carregar tanto tubarão nos seus barcos, quantas barbatanas que é só o que lhes interessa. A defesa de um modo de pesca inqualificável sobrepõe-se a qualquer sentido de ética e decência humana. Estes deputados portugueses deram assim, à Europa e ao mundo, sinal de que somos um povo primitivo, atrasado e insensível a questões fundamentais do nosso tempo. Representam o quê? A mim não certamente. E, estou certo, nem a muitos outros portugueses que já vivem no século 21, alguns dos quais votaram neles. 

Temos assim que a mesma razão económica que conduziu à desgraça social que se abateu sobre a sociedade portuguesa e que tantos deles dizem combater pouco tem a ver com reais diferenças de civilização. No fundo, estão todos de acordo no mesmo princípio de exploração dos recursos sem olhar a meios e sem que lhes toque o mais leve sentimento de humanidade. Aqui não há consciência ambiental, não há quem deseje um mundo melhor, quem se preocupe com a devastação que a humanidade provoca nas espécies animais e na própria natureza. Tudo se resume ao vil dinheiro. 

De direita e de esquerda, moderada e radical, estamos perante uma classe política que merece o nosso desprezo mais absoluto. Imagino que alguns deles tenham filhos e gostaria de os ver explicar porque defendem que se corte barbatanas a tubarões vivos para gáudio de uns quantos imbecis que se deleitam com tão frívolos petiscos. 

Os próprios chineses acabam de banir dos banquetes oficiais a sopa de barbatana de tubarão. Muitos hotéis e restaurantes na China e no Oriente também já o fazem. Pela mão destes deputados mostramos que estamos no fundo da escala da barbárie. É esta a imagem que queremos do nosso país? 

Que se engasguem na barbatana é o que sinceramente lhes desejo. A todos sem exceção.

Artigo de Leonel Moura no jornal "Negócios online".