quarta-feira, 19 de novembro de 2014

A Lei 69/2014, de 29 de Agosto, que criminaliza os maus tratos a animais de companhia, aplica-se aos Canis Municipais Novembro 16, 2014

Trata-se de uma questão de grande importância porque apesar da mudança extremamente positiva, em todos os aspectos, a que se tem assistido no canil/ gatil da capital do país e do arrastamento que se esperava que esta tivesse nos canis do resto do país, a verdade é que o panorama geral se mantém inalterável como o demonstra o número de petições a denunciar e a exigir alterações às condições de alojamento dos animais e à politica de abates de inúmeros canis municipais. Tais petições refletem um profundo e justo sentimento de indignação dos seus signatários mas forçoso é reconhecer que os seus resultados são fracos. Portanto, há que ser mais incisivo e recorrer aos instrumentos legais que temos ao nosso alcance.

Importa, por isso, saber que:

1-A lei 69/2014 aplica-se aos canis municipais, aos maus tratos perpetrados nestes.

Artº 387º do Código Penal (aditado pela Lei 69/2014, de 29 de Agosto, sob o Titulo VI- «Dos crimes contra animais de companhia»)

«Maus tratos a animais de companhia»  1 – Quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.  2 – Se dos factos previstos no número anterior resultar a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.

Exemplificando, enquadram-se aqui  pontapés,  vassouradas,  mangueiradas,  e acções/comportamentos do género, por parte dos funcionários dos canis municipais a quem incube  a tarefa da limpeza e alimentação dos animais alojados nos canis ; a utilização de métodos de captura violentos e desnecessários; o abate por métodos que infringem as “Normas sobre eutanásia de animais de companhia” da DGAV , como será o caso da utilização da injecção intracardíaca em animais que não estão prévia e profundamente sedados ou  anestesiados; bem como, para os executivos camarários, a privação de alimentação e higiene aos animais aí detidos, aos fins de semana e feriados,no caso de fecharem.

Também caiem sob a alçada desta lei as condições de alojamento e de cuidados prestados nos canis/gatis que não cumprem as normas de bem estar dos animais de companhia previstas no DL 276/2001, de 17.10., na redacção dada pelo DL 315/2003, de 17.12, colocando os animais capturados em estado de sofrimento superior ao que já advém da circunstância em que se encontram.

3 – Quem pode denunciar estes casos ?

Todos nós! Pessoas individuais e colectivas.

4 – Onde e como?

Junto das autoridades policiais ( PSP, GNR). por escrito ou directamente, ou também, por escrito para o Ministério Público .Indicando o local, a data, com um breve relato dos factos que consubstanciam o mau trato, e outros relevantes, por exemplo, se já houve anteriores queixas, e testemunhas, havendo-as.

Apresentada a queixa será aberta uma averiguação/ inquérito, e havendo um suspeito é deduzida pelo Ministério Público uma acusação, seguida de julgamento.

5 - Constituição de assistente

 O que é? É a possibilidade  de  acompanhar o inquérito aberto após a denúncia, de indicar prova, de requerer diligências.

De, havendo arquivamento, poder agir processualmente e requerer a instrução que é apreciada por um juiz, e que pode, ou não, levar a um julgamento.

Esta lei permite que as Associações Zoófilas se constituam assistentes, sem encargos, i.é., sem o pagamento de custas e de taxa de justiça ( artº 10º, nº1), não podendo, as pessoas individuais, os cidadãos,  relativamente aos maus tratos nos canis, ou a animais de que não sejam donos, constituir-se assistentes.

O que, óbviamente, não impede que façam queixa.

6 – Quem pode requerer medidas preventivas e urgentes para evitar a violação da Lei?

«As associações zoófilas legalmente constituídas têm legitimidade para requerer a todas as autoridades e tribunais as medidas preventivas e urgentes necessárias e adequadas para evitar violações em curso ou iminentes da presente lei» (artº 9º).

Conclusão

Em termos de instrumentos legais, os defensores dos direitos dos animais já têm experiência de uma providência cautelar interposta contra a Câmara Municipal de Lisboa e que teve real sucesso mas que não foi ainda replicada em mais nenhum caso de maus tratos em canis.

Recorrendo à decisão do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa (http://www.campanha-esterilizacao.com/documentos/CertidaoSentenca.pdf) que tipificou os aspectos do funcionamento do canil de Lisboa que infringiam o DL 315/2003, de 17.12 é possível reconhecer os mesmos males de que padecem inúmeros outros canis do país neste momento ( 13 anos passados sobre a publicação da primeira legislação, o DL 276/2001, de 17.10 !) e que todos eles infligem “ dor, sofrimento, ou quaisquer outros maus tratos físicos” aos animais de companhia que albergam.

O recurso ao artigo 387º do Código Penal é muito menos complicado e oneroso do que interpor uma providência cautelar,

Todavia, esta tem resultados mais positivos e seguros, na medida em que pode impôr, como aconteceu em Lisboa, a alteração das estruturas físicas e das condições de funcionamento do canil, o que o processo crime não pode fazer.

A apresentação de queixas no âmbito da criminalização é, porém, uma inquestionável pressão de cidadania sobre os executivos municipais que pode alterar a relação de forças actual e trazer as vitórias tão almejadas pelo movimento animal na sua luta contra a barbárie actual que acontece na maioria dos canis/gatis em Portugal.

-- 
Campanha de Esterilização de Animais Abandonados
http://campanhaesterilizacaoanimal.wordpress.com/
https://www.facebook.com/campanhaesterilizacao?ref=ts&fref=ts

Os 3 pilares da Campanha: 
1.Os canis municipais devem esterilizar obrigatoriamente todos os animais que dão em adopção . 
2. As Câmaras devem celebrar protocolos com as associações de defesa animal que actuam no concelho para a esterilização dos animais abandonados que estas recolhem, 
 3. As Câmaras devem proporcionar aos munícipes com recursos limitados a esterilização gratuita dos animais que possuem.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

...E por vezes fingimos que lembramos...

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

David Mourão Ferreira


quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Juro que não vou esquecer...

Nunca vou esquecer o olhar da rapariga que espera o tratamento de radioterapia. Sentada numa das cadeiras de plástico, o homem que a acompanha (o pai?) coloca-lhe uma almofada na nuca para ela encostar a cabeça à parede e assim fica, magra, imóvel, calada, com os olhos a gritarem o que ninguém ouve. O homem tira o lenço do bolso, passa-lho devagarinho na cara e os seus olhos gritam também: na sala onde tanta gente aguarda lá fora, algumas vindas de longe, de terras do Alentejo quase na fronteira, desembarcam pessoas de maca, um senhor idoso de fato completo, botão do colarinho abotoado, sem gravata, a mesma nódoa sempre na manga (a nódoa grita) caminhando devagarinho para o balcão numa dignidade de príncipe. É pobre, vê-se que é pobre, não existe um único osso que não lhe fure a pele, entende-se o sofrimento nos traços impassíveis e não grita com os olhos porque não tem olhos já, tem no lugar deles a mesma pele esverdeada que os ossos furam, a mão esquelética consegue puxar da algibeira o cartãozinho onde lhe marcam as sessões. Mulheres com lenços a cobrirem a ausência de cabelo, outras de perucas patéticas que não ligam com as feições nem aderem ao crânio, lhes flutuam em torno. E a imensa solidão de todos eles. À entrada do corredor, no espaço entre duas portas, uma africana de óculos chora sem ruído, metendo os polegares por baixo das lentes a secar as pálpebras. Chora sem ruído e sem um músculo que estremeça sequer, apagando-se a si mesma com o verniz estalado das unhas. Um sujeito de pé com um saco de plástico. Um outro a arrastar uma das pernas. A chuva incessante contra as janelas enormes. Plantas em vasos. Revistas que as pessoas não lêem. E eu, cheio de vergonha de ser eu, a pensar faltam-me duas sessões, eles morrem e eu fico vivo, graças a Deus sofri de uma coisa sem importância, estou aqui para um tratamento preventivo, dizem-me que me curei, fico vivo, daqui a pouco tudo isto não passou de um pesadelo, uma irrealidade, fico vivo, dentro de mim estas pessoas a doerem-me tanto, fico vivo como, a rapariga de cabeça encostada à parede não vê ninguém, os outros (nós) somos transparentes para ela, toda no interior do seu tormento, o homem poisa-lhe os dedos e ela não sente os dedos, fico vivo de que maneira, como, mudei tanto nestes últimos meses, os meus companheiros dão-me vontade de ajoelhar, não os mereço da mesma forma que eles não merecem isto, que estúpido perguntar
- Porquê ?
que estúpido indignar-me, zango-me com Deus, comigo, com a vida que tive, como pude ser tão desatento, tão arrogante, tão parvo, como pude queixar-me, gostava de ter os joelhos enormes de modo que coubessem no meu colo em vez das cadeiras de plástico
(não são de plástico, outra coisa qualquer, mais confortável, que não tenho tempo agora de pensar no que é)
isto que escrevo sai de mim como um vómito, tão depressa que a esferográfica não acompanha, perco imensas palavras, frases inteiras, emoções que me fogem, isto que escrevo não chega aos calcanhares do senhor idoso de fato completo
(aos quadradinhos, já gasto, já bom para deitar fora)
botão de colarinho abotoado, sem gravata e no entanto a gravata está lá, a gravata está lá, o que interessa a nódoa da manga
(a nódoa grita)
o que interessa que caminhe devagar para o balcão mal podendo consigo, doem-me os dedos da força que faço para escrever, não existe um único osso que não lhe fure a pele, entende-se o sofrimento nos traços impassíveis e não grita com os olhos porque não tem olhos já, tem no lugar deles a mesma pele esverdeada que os ossos furam e me observa por instantes, diga
- António
senhor, por favor diga
- António
chamo-me António, não tem importância nenhuma mas chamo-me António e não posso fazer nada por si, não posso fazer nada por ninguém, chamo-me António e não lhe chego aos calcanhares, sou mais pobre que você, falta-me a sua força e coragem, pegue-me antes você ao colo e garanta-me que não morre, não pode morrer, no caso de você morrer eu
No caso de você e da rapariga da almofada morrerem vou ter vergonha de estar vivo.

António Lobo Antunes, Visão

terça-feira, 4 de novembro de 2014

...

estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram flores novas na terra do jardim, quero dizer que estás bonita.
entro na casa, entro no quarto, abro o armário, abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio de ouro.
entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como se tocasse a pele do teu pescoço.
há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.
estás tão bonita hoje.
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
estás dentro de algo que está dentro de todas as coisas, a minha voz nomeia-te para descrever 
a beleza.
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
de encontro ao silêncio, dentro do mundo, estás tão bonita é aquilo que quero dizer.

José Luís Peixoto


domingo, 2 de novembro de 2014

My soundtracks

And so it is
Just like you said it would be
Life goes easy on me
Most of the time
And so it is
The shorter story
No love, no glory
No hero in her sky


Música de Damien Rice - "The Blower's Daughter," banda sonora do filme "Closer."

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Revolução do Guarda Chuva

Em Hong Kong, faz-se a "revolução dos Guarda Chuva" pela liberdade, democracia e dignidade, por cá faz-se a "não revolução" do deixa andar, do conformismo pela perda de tudo...e em silêncio...sem sequer se afirmar uma posição, uma atitude...uma vontade...um querer maior...triste país, o nosso...povo que esmoreceu, perdeu a coragem dos relevantes antepassados...se D. Afonso Henriques ressuscitasse...suicidava-se de desgosto!



segunda-feira, 27 de outubro de 2014

e tudo, no amor é música, acústica da alma que quer ser devorada

Algum dia eu haveria de entrar na normalidade dos que te amam. Amo-te. E dói escrevê-lo (que é pior, meu amor, do que dizê-lo). Amo-te absoluta, impossível e fatalmente. E ouço, adolescente, uma música adolescente, para me lembrar de ti, porque lembrar-me de ti é lembrar-me que não consigo esquecer-te. E ouço música porque ouvimos música quando amamos, e tudo, no amor é música, acústica da alma que quer ser devorada, e, neste caso, dor (tão deliciosamente insuportável) de amar sem sequência nem expectativa de contrapartida, amar unicamente o puro objecto que desgraçadamente amamos. Isto é uma carta de amor, e é possivelmente ridícula prova maior de que é, realmente, uma carta de amor), ou porque perdi o hábito de as escrever, ou porque nunca tive a coragem de as enviar.

(...)

E não, esta carta não pode ter sido escrita por mim. És tu – em mim – que me faz escrever o que eu não escrevo. E isso é – de novo – o melhor de mim.)

António Mega Ferreira

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Regresso ao teu sorriso...

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

Manuel António Pina

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

"O amor nos tempos de ébola"

De que o mundo é um hospício não tenho a menor dúvida...
Excelente texto!


(...)Mas não é por não ser humano que Excalibur não poderia compreender. Pelo contrário, Excalibur não poderia compreender porque era, como qualquer cão, demasiado humano para compreender tanta desumanidade: Excalibur não poderia compreender porque é incompreensível, como é incompreensível que ao cabo de tantos anos a aprender truques com os homens, os cães só tenham retido a amizade, a fidelidade e a ternura.(...)


(...)Poderíamos ter explicado tudo isto ao cão Excalibur? Como explicar-lhe que ao final de tantos milénios a evoluir juntos, os humanos continuem, apesar de todas as filosofias, tecnologias e ideologias do mundo, tão inexplicavelmente desumanos?(...)

Texto na integra em   Manifesto 74

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

..."já não há nada a esperar."

Eu sem nada. O tempo passava lentamente. O tempo passava ainda mais lentamente nas nossas vidas. O tempo passa depressa quando queremos sentir cada instante. O tempo passa lentamente quando se espera. O tempo passa ainda mais lentamente quando já nem se espera nada, quando já não há nada a esperar.


José Luís Peixoto, Uma casa na escuridão

terça-feira, 23 de setembro de 2014

(...)"não a verei mais"(...)

Palavras de Nietzsche após ter seu pedido de casamento recusado pela Lou Andreas-Salomé em 1882:

"Adeus. Não a verei mais. Proteja sua alma contra ações semelhantes e realize melhor com os outros aquilo que comigo não tem reparação. Não li sua carta, mas li demais.”

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

..."As palavras já não dizem o que dizem"...

Hoje as torturas são chamadas de “procedimento legal", a traição se chama “realismo”, o oportunismo se chama “pragmatismo”, o imperialismo se chama “globalização” e as vítimas do imperialismo se chamam “países em via de desenvolvimento”. O dicionário também foi assassinado pela organização criminosa do mundo. As palavras já não dizem o que dizem ou não sabemos o que dizem.”

-Eduardo Galeano

terça-feira, 26 de agosto de 2014

A Revolução da Bondade

Acho que a grande revolução, e o livro «Ensaio sobre a Cegueira» fala disso, seria a revolução da bondade. Se nós, de um dia para o outro, nos descobríssemos bons, os problemas do mundo estariam resolvidos. Claro que isso nem é uma utopia, é um disparate. Mas a consciência de que isso não acontecerá, não nos deve impedir, cada um consigo mesmo, de fazer tudo o que pode para reger-se por princípios éticos. Pelo menos a sua passagem pelo este mundo não terá sido inútil e, mesmo que não seja extremamente útil, não terá sido perniciosa. Quando nós olhamos para o estado em que o mundo se encontra, damo-nos conta de que há milhares e milhares de seres humanos que fizeram da sua vida uma sistemática acção perniciosa contra o resto da humanidade. Nem é preciso dar-lhes nomes. 

José Saramago, in " Folha de S. Paulo, Outubro 1995" 

sexta-feira, 18 de abril de 2014

A Racionalidade Irracional

Eu digo muitas vezes que o instinto serve melhor os animais do que a razão a nossa espécie. E o instinto serve melhor os animais porque é conservador, defende a vida. Se um animal come outro, come-o porque tem de comer, porque tem de viver; mas quando assistimos a cenas de lutas terríveis entre animais, o leão que persegue a gazela e que a morde e que a mata e que a devora, parece que o nosso coração sensível dirá «que coisa tão cruel». Não: quem se comporta com crueldade é o homem, não é o animal, aquilo não é crueldade; o animal não tortura, é o homem que tortura. Então o que eu critico é o comportamento do ser humano, um ser dotado de razão, razão disciplinadora, organizadora, mantenedora da vida, que deveria sê-lo e que não o é; o que eu critico é a facilidade com que o ser humano se corrompe, com que se torna maligno. 
Aquela ideia que temos da esperança nas crianças, nos meninos e nas meninas pequenas, a ideia de que são seres aparentemente maravilhosos, de olhares puros, relativamente a essa ideia eu digo: pois sim, é tudo muito bonito, são de facto muito simpáticos, são adoráveis, mas deixemos que cresçam para sabermos quem realmente são. E quando crescem, sabemos que infelizmente muitas dessas inocentes crianças vão modificar-se. E por culpa de quê? É a sociedade a única responsável? Há questões de ordem hereditária? O que é que se passa dentro da cabeça das pessoas para serem uma coisa e passarem a ser outra? 
Uma sociedade que instituiu, como valores a perseguir, esses que nós sabemos, o lucro, o êxito, o triunfo sobre o outro e todas estas coisas, essa sociedade coloca as pessoas numa situação em que acabam por pensar (se é que o dizem e não se limitam a agir) que todos os meios são bons para se alcançar aquilo que se quer. 
Falámos muito ao longo destes últimos anos (e felizmente continuamos a falar) dos direitos humanos; simplesmente deixámos de falar de uma coisa muito simples, que são os deveres humanos, que são sempre deveres em relação aos outros, sobretudo. E é essa indiferença em relação ao outro, essa espécie de desprezo do outro, que eu me pergunto se tem algum sentido numa situação ou no quadro de existência de uma espécie que se diz racional. Isso, de facto, não posso entender, é uma das minhas grandes angústias. 

José Saramago, in 'Diálogos com José Saramago' 

quinta-feira, 27 de março de 2014

What time is it in the world?

Deixo aqui o link para o meu novo blog, neste espaço, vou colocar os meus registos fotográficos de locais por onde vou passando, conhecendo e explorando...são as minhas visões do planeta em imagens... Se interessar aqui fica - 

What time is it in the world?

Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver…
Não digas nada
Deixa esquecer
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada…
Mas ali fui feliz.
Não digas nada.
Fernando Pessoa

sexta-feira, 21 de março de 2014

amor...

Não quero dizer com isso que havia deixado de amá-la, que a esquecera, que sua imagem desbotara; pelo contrário; ela morava em mim dia e noite, como uma silenciosa nostalgia; eu desejava-a como se desejam as coisas perdidas para sempre.

Milan Kundera

terça-feira, 18 de março de 2014

à flor da pele...

Trago à flor da pele as coisas que devia esconder, o mais íntimo e sombrio.
Podeis ver o meu esqueleto e não só, também trago à flor da pele a alma toda.

Amalia Bautista