quinta-feira, 28 de outubro de 2010

... "ter intimidade"...

Foto: (c) Joana Guerra

(...) " Que significa "ter intimidade"?
- É uma coisa demasiado esquecida - explicou a raposa. - Significa "ter relações de proximidade".
- Ter relações de proximidade?
- Sim - confirmou a raposa.- Para mim, tu não passas de um rapazito semelhante a cem mil outros rapazitos.
Não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Para ti, eu sou uma raposa semelhante a cem mil raposas. Mas se tiveres intimidade comigo, precisaremos um do outro.
Tu serás, para mim, único no mundo. E eu serei, para ti, único no mundo...
- Começo a compreender - disse o principezinho. - Há uma flor...julgo que ela tem intimidade comigo...
É possível - respondeu a raposa. - Vê-se de tudo na Terra...
- Oh!, não é na Terra - exclamou o principezinho.
A raposa mostrou-se intrigada:
- Noutro planeta?
- Sim.
- E nesse planeta há caçadores?
- Não.
- Isso interessa-me! E galinhas?
- Também não.
- Não há nada perfeito - suspirou a raposa.
Mas, retomando a sua ideia, a raposa prosseguiu:
- A minha vida é monótona. Caço galinhas e os homens caçam-me. Todas as galinhas se assemelham e todos os homens se assemelham. Por isso, aborreço-me um pouco. Mas se tiveres intimidade comigo, a minha vida encher-se-á de sol. Passarei a distinguir um ruído de passos diferentes de todos os outros. Os outros passos fazem-me esconder debaixo da terra. Os teus, como uma melodia, convidar-me-ão a sair da toca. E depois, olha! Vês além os campos de trigo? Eu não me alimento de pão. O trigo, para mim, para nada presta. Os campos de trigo nada me evocam. E isto é triste. Mas o teu cabelo é da cor de ouro. Se tiveres intimidade comigo, será maravilhoso. O trigo loiro far-me-á lembrar de ti. Apreciarei o sussurrar do vento por entre os trigais..."

(...)

" - Só se conhece aquilo com que se tem intimidade - comentou a raposa. - Os homens deixaram de ter tempo para conhecer seja o que for. Compram coisas feitas aos vendedores. E como não há vendedores de amigos, os homens já não têm amigos. Se quiseres ter um, tem intimidade comigo!
- Que hei-de fazer? - perguntou o principezinho.
- Precisas de ser muito perseverante - explicou a raposa. - Ao princípio, sentas-te ali na erva, um pouco longe de mim. Espreitar-te-ei pelo canto do olho e tu nada dirás. A linguagem é fonte de mal-entendidos. Depois, dia a dia, vens sentar-te um bocadinho mais perto...
O principezinho voltou no dia seguinte.
- Era preferível teres vindo à mesma hora - disse a raposa. - Se vieres, por exemplo, às quatro horas da tarde, a partir das três horas começo a ser feliz. Quanto mais se aproximar a hora, mais feliz me sentirei. Às quatro horas perturbo-me e inquieto-me; descobrirei, assim, o valor da felicidade! Mas se vieres seja quando for, nunca sei a que horas hei-de ataviar o coração...São precisos ritos.
- Que é um rito? - perguntou o principezinho.
- É também uma coisa demasiado esquecida - respondeu a raposa. - É o que faz que um dia seja diferente dos outros dias, uma hora das outras."(...)

In "Principezinho" de Saint - Exupéry.

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