quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

E todos os nossos demónios...



"[...] Escutei estas palavras repetidas: 'Adeus eterno!' E ainda várias vezes: "Adeus eterno!"

E então eu despertava na minha agitação, gritando: "Não quero mais dormir!"
Hoje cheguei a temer a aproximação do sonho, se me deve trazer visões tão dolorosas, cheias de uma vida tão intensa, como as que me perseguiam o cérebro cheio de fantasmas. [...]
Considerando que minha vida era mais necessária a outros do que a mim, cheguei a inquietar-me realmente, e detive-me a tempo, mas com um esforço que está a acima de qualquer descrição. Fizesse o que fizesse, parecia como se diz em termos militares, "a morte me saía à frente." Renunciar ao ópio não era de modo algum libertar-me das angústias que eram "mortais" na correcta acepção do termo; mas, por outro lado, morrer em consequência de espantos nervosos, morrer de febre cerebral ou de loucura, eis as alternativas que se me antojavam. Felizmente, ainda me restava bastante firmeza de carácter para escolher deliberadamente o partido que me imporia mais sofrimentos, mas que me mostrava ao longe a esperança de me salvar definitivamente.
Esta possibilidade realizou-se; pude escapar ao ópio. O desfecho desta nova crise nas minhas experiências achas-se descrito com bastante exactidão nas linhas seguintes, que meus amigos leitores encontraram na primeira edição destas Confissões. Se estas linhas ali se encontram, é que a crise de que falam não foi mais que um esforço provisório que aplainou o caminho para outras crises mais suportáveis, a que meu sistema constitucional se submeteu gradualmente. [...]
Lord Bacon supõe que é tão doloroso nascer como morrer. Parece provável: durante todo o tempo que consagrei ao diminuir da minha ração de ópio, sofri os tormentos de um homem que passa de um modo de existência a outro e que sente, ao mesmo tempo, ou alternadamente, as dores do nascimento e da morte. O final não foi a morte, e sim uma espécie de regeneração física; assim posso acrescentar que sempre, depois e de vez em quando, fui experimentando uma ressurreição juvenil das minhas faculdades.
Resta-me, todavia, uma herança o meu antigo estado: os meus sonos não são tranquilos. A mortal agitação e o transtorno da tempestade não se apaziguaram de todo; as legiões que acampavam no meu sonho puseram-se em marcha, mas não desapareceram inteiramente. O meu repouso é ainda incompleto, agitado; está como as portas do Paraíso, tal como as viram ao voltar-se os nossos primeiros pais; ainda está como no espantoso verso de Milton:

'Cheio de terríveis rostos e braços ameaçadores'."

(Thomas de Quincey, Confissões de um Comedor de Ópio")

(Sugestão de um amigo...)

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